sábado, 19 de outubro de 2019

Maternagem


A maternidade não muda, o que muda é a maternagem...

Pela maternidade, um feto nasce em qualquer lugar do mundo após completar nove meses de gestação. O “como” nascer depende das condições que o local oferece: parteira ou obstetra? A termo ou induzida? Parto normal ou cesárea? Em casa ou no hospital? De cócoras, deitada ou dentro da água? Seja como for, o feto vai nascer e isso não se discute. Essa é a voz da maternidade.

O crescimento e desenvolvimento biológico do filho está pré-determinado geneticamente, portanto vão acontecer de qualquer maneira, mas a sua qualidade e quantidade vai depender totalmente da maternagem que lhe for oferecida.

A maternagem começa a ser desenvolvida desde que o nenê nasce, pela maneira que tudo chegou a ele. O que chega ao bebê depende muito da qualidade de maternagem de sua mãe ou substituta.

O bebê é totalmente dependente de alguém que satisfaça suas necessidades de sono, alimentação, higiene, afeto etc. Sim, de afeto e especificamente de alguém a quem ele possa se apegar. Bebês sem afeto entram em depressão e podem morrer antes dos dois anos de idade. Se muda muito de cuidadoras, sem tempo de formar-se um vínculo de pertencimento, o bebê não sobrevive e se sobreviver pode sofrer sérias consequências psiquiátricas, mesmo que fisicamente possa estar bem.

No século 18, na França, havia um costume das mães entregarem seus bebês às amas mercenárias porque se considerava a amamentação um gesto de primitivismo animal. As mais ricas contratavam amas mercenárias para morarem nas suas casas e as mais pobres enviam seus bebês recém-nascidos às amas mercenárias mais pobres. Muitos bebês (15 a 20%) morriam já no precário transporte feito em carroças com outros bebês. Estas amas trabalhavam no campo do dia inteiro e deixavam os bebês fortemente enfaixados e pendurados para não serem incomodados pelos animais. Conforme região, até 80% dos bebês morriam até os quatro anos de idade quando voltavam para casa de suas mães. As mães logo contratavam uma governanta, depois um preceptor para seguir para o internato de onde saiam para o casamento. O governo francês percebeu a falta de crianças e fez uma campanha imensa para mudar a maternagem, desenvolvendo o tipo de mãe dedicada-devotada, sacrificando a própria existência, que vemos hoje. Para saber mais leia “Um amor conquistado: o Mito do Amor Materno”, da Elisabeth Badinter – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. Elisabeth é filósofa e pesquisadora, com muitos livros publicados.

Com a emancipação da mulher, a maternagem ficou prejudicada. Não somente pela ausência física, mas pela falta de conhecimentos educativos. Geralmente, a mãe sente-se culpada por ficar tanto tempo longe do filho e tenta compensar agradando-o em demasia, atrapalhando assim a educação, pois o filho aprende a ser um amado tirano a comandar a vida dos adultos à sua volta... Faz mais falta o desconhecimento de como educar bem do que o tempo de convivência com o filho. O problema não está na mãe trabalhar fora, mas em não saber administrar esta ausência na particular e transitória situação de ser mãe de filhos na primeira infância.

Quanto mais novo e mais incapaz for o filho, mais cuidados ele requer da mãe. Entretanto, é a mãe que tem que saber que educar não é criar o filho para si, mas prepará-lo para ter autonomia comportamental, independência financeira e cidadania ética.

A maior responsabilidade (desafio) da maternagem é tornar o filho independente dela.

Fonte: https://educacao.uol.com.br/colunas/icami-tiba/2012/05/01/a-maternidade-nao-muda-o-que-muda-e-a-maternagem.htm

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Mãe fica


Mãe é quem fica.
Depois que todos vão.
Depois que a luz apaga.
Depois que todos dormem.
Mãe fica.

Às vezes não fica em presença física.
Mas mãe sempre fica.
Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver.
Uma parte sempre fica.

Fica neles.
Se eles comeram.
Se dormiram na hora certa.
Se brincaram como deveriam.
Se a professora da escola é gentil.
Se o amiguinho parou de bater.
Se o pai lembrou de dar o remédio.

Mãe fica.
Fica entalada no escorregador do espaço kids pra brincar com a cria.
Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou.
Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.

É quando a gente fica que nasce a mãe.
Na presença inteira.
No olhar atento.
Nos braços que embalam.
No colo que acolhe.

Mãe é quem fica.
Quando o chão some sob os pés.
Quando todo mundo vai embora.
Quando as certezas se desfazem.
Mãe fica.

Mãe é a teimosia do amor, que insiste em permanecer e ocupar todos os cantos.
É caminho de cura.
Nada jamais será mais transformador do que amar um filho.
E nada jamais será mais fortalecedor que ser amado por uma mãe.

É porque a mãe fica, que o filho vai.
E no filho que vai, sempre fica um pouco da mãe:
em um jeito peculiar de dobrar as roupas.
Na mania de empilhar a louça só do lado esquerdo da pia.
No hábito de sempre avisar que está entrando no banho.
Na compaixão pelos outros.
No olhar sensível.
Na força pra lutar.

No coração do filho, mãe fica.

via: Passarinhos no telhado
Fonte: Facebook - Um pouco mais de Filosofia

quarta-feira, 10 de abril de 2019

O tempo, o amor e um Chevette 1982


por Luiz Henrique Matos

Ela agora me liga no meio do dia para pedir coisas. Estou no escritório, toca o telefone, percebo que é o número de casa e acho que é assunto sério. Então uma voz fina do outro lado derrete minha postura de profissional empenhado, pedindo para que eu leve algum doce no fim do dia, perguntando se pode ir brincar na casa da avó ou querendo assistir um DVD diferente.

Não reclamo, eu gosto. Apesar do constrangimento em falar com uma criança no telefone diante de uma audiência concentrada no trabalho, atender as ligações da minha filha ou esposa durante o dia é como fazer uma visita instantânea até em casa.

Outro dia, tocou o telefone e era ela outra vez.

– Alô?
– Papai…
– Oi, filha?
– Eu quero você aqui.
– O quê?
– Eu quero você aqui em casa agora.

Crianças…

Ela não quer saber se vivemos em uma mansão ou numa quitinete, se dirijo o carro do ano ou um Chevette 1982. Para ela pouco importa o cargo que ocupo, a marca da roupa estampada em sua camiseta suja de chocolate, a quantidade de prêmios que ganhei – e não ganhei nenhum, se quer saber – ou qualquer dessas coisas que nos parecem fundamentais em grande parte do tempo.

Ela não se importa com o valor dos presentes que ganha. Aliás, ela nem se importa com presentes. Ela é feliz quando os recebe e também é quando nada acontece. Basta a brincadeira, uma nova história e pessoas ao seu lado.

A cada mês, minha menina deixa de ser aquele serzinho dependente e começa a revelar um pouco de sua personalidade. Ela tem olhos bons. Quando sorri, eles ficam apertados entre as bochechas e as sobrancelhas. De uns tempos pra cá, os cachos já encostam nos ombros, seu rostinho já não está tão fofo e o português vai se ajustando num vocabulário correto e claro nas idéias que quer expressar. Se em algum momento eu achei que tinha qualquer controle sobre as coisas, já não me iludo.

E aos poucos, limitado como sou, vou percebendo que longe de objetos e artifícios de que lanço mão para mostrar o bom pai que pretendo ser, ela prefere que eu lhe dê algo mais simples: tempo.

E ela não está interessada em recompensas, não espera que eu retribua o seu carinho, ela só me quer por perto. Ela quer alguém para viajar junto em sua imaginação, quer jogar qualquer coisa, brincar do que der na telha, quer um leite fresquinho quando acorda e um braço pra se apoiar enquanto a Dora, a Aventureira, resgata algum animal perdido na floresta.

Nada do que ela me pede, nada, me custa mais do que um mísero centavo. A verdade é que as crianças tem um tipo de amor que eu não entendo e não expresso. Um amor desinteressado, gratuito, livre de coisas, que não exige condições, que aceita um pedido de desculpas quando a gente deixa de brincar e que espera o dia inteiro, às vezes bem longo, só para ganhar um colo e ouvir uma nova história antes de dormir.

– Nina, as princesas dormem sozinhas em suas próprias camas, sabia?
– Mas, pai, a princesa quer ficar aqui, perto do príncipe.

Ela me acha bonito.

Às vezes eu me pego pensando no dia em que ela vai descobrir que eu não sou “o” cara. De príncipe, herói e marido exemplar, um dia minha menina vai me achar careta, fraco e pedir para que eu estacione a 300 metros da escola para que os amigos não a vejam entrar no carro comigo. Mas até que isso aconteça, deixo as preocupações para a hora apropriada. Enquanto ela ainda se sente suprida simplesmente por eu sentar ao seu lado no sofá, eu desfruto.

Eu me regozijo em sua inocência, no pensamento puro, nos contos de fadas, nas palavras mal faladas e no cheiro de xampu de neném que ainda perfuma uma parte da casa.

– Pai…
– Oi, Nina.

Ela me mostra a mão espalmada.

– Você fica… você fica só mais assim, ó. Fica só mais cinco minutos comigo?
– Claro, querida. Como não?

Sorri.

– Tá. Então senta, pai.

Ela não me cobra se estou acima do peso, não quer saber serei um sujeito careca daqui um tempo e também não liga se não me visto segundo o catálogo da Armani. Ela só quer que eu esteja ali.

Pais são assim. Às vezes, depois que passamos da infância e, num instante crescemos, pode acontecer de o assunto acabar. Pode ser que o encanto se quebre. Pode até ser que filhos e pais, em função do tempo e das circunstâncias, deixem de ter a afinidade natural, aquela amizade que parecia instransponível lá atrás. Mas inexplicavelmente, a gente sabe o quanto precisa deles. Bem, às vezes nem sabemos, mas notamos que em determinados momentos, precisamos daquele colo, daquele cheiro, sentimos falta de estar perto, gastando um tempo que parece à toa, mas que preenche um vazio que só esse tipo amor pode completar.

O primeiro amor, aquele desinteressado, que tudo sofria e suportava, que acreditava e esperava, de repente parece cheio de condições, cercado de regras, empoeirado, espremido entre tantas lembranças naquele baú esquecido no sótão. E a gente sente saudades mas não sabe como voltar.

Nesses momentos, numa fagulha, filhos se distanciam, amigos se perdem, casais se separam e o homem, ao longo da história, se afasta do seu Criador.

O filho perde de vista o Pai, que nunca deixou de esperar pela volta de sua criança, ansioso, aguardando por mais uns minutinhos. E Deus tenta dizer que ele não quer súditos ou empregados que o sirvam com sacrifício, ele quer seus filhos invadindo a cozinha, cansados de correr no quintal, pedindo por uma história, contando sobre o novo amigo e precisando de um copo de água para saciar sua sede.

E como em qualquer relacionamento, um e outro não esperavam mais do que presença, nada além daquele amor simples, o respeito, carinho… nada que se represente em coisas, nenhuma grande fortuna. Talvez uma aventura frustrada a bordo de um Chevette, uma história para contar juntos, talvez uma conversa franca de vez em quando.

No amor, não se dá nada que custe mais do que um mísero centavo.


(Publicada originalmente no missaovirtual.com)